Na
galeria dos campeões mundiais, o moscovita
Vassily
Vasiliyevich Smyslov ocupa uma
posição discreta, por força de seu temperamento comedido e educado, sem
histrionice ou bazófia - características comuns a algumas estrelas atuais do
firmamento enxadrístíco.
De
valor reconhecido pelos seus pares, mereceu do arqui-rival Miguel
Botvinnik - com quem travou três matches
pelo título mundial - o seguinte perfil: "0
talento enxadrístico de Smyslov era universal e excepcional; jogava a abertura
com exatidão, defendia-se com profundidade, atacava de modo implacável e
manobrava com sangue-frio e de forma impecável. Seu senso competitivo era
excelente, tinha condições físicas para suportar os duros embates das
competições magistrais. E quanto à condução dos finais, nada se podia
acrescentar - ele estava em seu elemento. Algumas vezes, ele tomava decisões
que surpreendiam pela profundidade e justeza. A força de Smyslov se evidenciava
plenamente e de forma especial quando se defrontava com uma variante preparada.
Nessas ocasiões, ele se postava no tabuleiro por mais de uma hora, com as mãos
fincadas na cabeça e encontrava a refutação. Infelizmente, no seu
temperamento era um tanto preguiçoso. Possivelmente, a causa disso é que ele
prezava mais as alegrias as vida do que suas responsabilidades"
(M.Botvinnik,
in "Achieving the Aim").
O"barítono"VassilySmyslov
cantando na casa de Lourenço Cordioli,
São Paulo, 1978 -
Arquivo
Ronald Câmara
Em seu livro
autobiográfico "Em busca da harmonia", Smyslov relata
toda a sua formação e ressalta:
"0
meu estudo do xadrez foi acompanhado por uma forte atração pela música e
provavelmente foi por causa disto que, desde a infância, acostumei-me a pensar
no xadrez como uma arte e jamais deixei de considerá-
lo de outra maneira, não obstante a parte científica e esportiva nele
envolvida". Em seguida, ele acrescenta:
"Continuo a ficar entusiasmado com o xadrez pelo
surpreendente mundo de idéias e beleza. Para mim, o lado estético do xadrez
significa, primeiro e acima de tudo, a correção de uma idéia, sua verdade
revelada na clara lógica do pensamento. A beleza se manifesta não apenas no
jogo combinatório, com sacrifícios espetaculares, mas, também, em posições
aparentemente simples, quando a riqueza de seu conteúdo é subitamente
demonstrada". Ele encerra suas observações
dizendo. "A carreira de um enxadrista é
constituída de torneios, torneios, torneios... Neles, consegui com freqüência
sair vencedor ou ficar entre os premiados, mas, algumas vezes tive
desapontamentos. Acho que um indivíduo que não tem outros interesses afora o
xadrez reagirá muito mal aos infortúnios que são inevitáveis na trajetória
de cada enxadrista. Meu amor pela música e belo canto não apenas me
proporcionou muita alegria, mas, também, ajudou-me a suportar com estoicismo
todas as agruras do destino".
No
último dia 24 de março, Smyslov completou 79 anos e as atuais notícias a seu
respeito não são nada animadoras, conforme se verifica na recente reportagem
sobre ele publicada na revista holandesa "New In Chess".
Mesmo vivendo em condições modestas, com parcos recursos e a visão
extremamente precária (já fez nove operações nos olhos!), - não obstante
toda essa adversidade, ele ainda encontra lenitivo na composição "às
cegas"de engenhosos finais artísticos, utilizando apenas a sua prodigiosa
mente e fértil imaginação!
A
FIDE tão pressurosa em taxar toda e qualquer competição enxadrística, já
deveria ter cogitado igualmente de criar um fundo de pensão para amparar em seu
crepúsculo os grandes ases do tabuleiro que suscitaram tanta alegria e
satisfação aos aficionados de todo o mundo.
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