Em sua brilhante e, ao mesmo tempo, turbulenta trajetória pelo universo
de Caissa, o fenomenal ás
do tabuleiro norte- americano
Robert James
Fischer
- mais conhecido pelo hipocorístico de Bobby Fischer - tem sido
protagonista de inúmeros acontecimentos - empolgantes uns,
decepcionantes outros - em todos deixando a marca de seu temperamento e
personalidade ímpares.
Entre as ocorrências que
imortalizaram o seu nome como um dos mais talentosos enxadristas de
todos os tempos, destacamos duas partidas jogadas contra os irmãos Byrne
- Donald e Robert. Em ambas, Fischer conduziu as peças pretas, adotou a
Defesa Grunfeld e se houve com tamanha maestria que as duas receberam o
prêmio destinada à mais bela produção de seu respectivo torneio.
Em 1956, com apenas 13 anos
de idade, Fischer era apontado como um garoto-prodígio, graças às
excepcionais aptidões demonstradas no manejo dos trebelhos; por esse
motivo e, a titulo de estímulo, foi convidado a participar do fortíssimo
III "Lessing J. Rosenwald Trophy Tournament", efetuado de
7 a 24 de outubro, em New York, reunindo os mais destacados mestres do
país. Embora discreta, sua atuação foi tida como promissora,
principalmente por causa de sua espetacular vitória diante do
experimentado mestre
Donald Byrne. Tamanho foi o entusiasmo suscitado
por essa partida que o mestre e comentarista Hans Kmoch, então diretor
do famoso "Manhattan Chess Club" - local das disputas -
chegou ao exagero de considerá-la "a partida do século"!
Com os comentários extraídos
do livro de minha autoria "Peões na Sétima", editado em
1960, eis como se desenrolou este magnífico duelo:
III
Lessing J. Rosenwald Trophy Toumament
New York, N.Y. 17/out°/1956
PD - Defesa Grünfeld
ECO D81
Brancas - Donald Byrne
Pretas - "Bobby" Fischer
1 Cf3 Cf6 2 c4 g6 3 Cc3 Bg7 4 d4 O-O 5 Bf4 d5 6
Db3 dxc4 7 Dxc4 c6 8 e4 Cbd7 9 Td1 Cb6 10 Dc5
Confiante de que a falta de experiência de "Bobby" permitia-lhe
jogar de maneira negligente, Byrne foge da continuação usual: 10 Dd3 Be6
11 Dc2, que lhe asseguraria uma situação cômoda.
10....Bg4 11 Bg5?
Byrne prossegue com seu plano, visando confundir seu jovem
adversário. Este lance, porém, tem o sério inconveniente de infringir um
principio básico do xadrez: na abertura não se deve jogar com a
mesma peça mais de uma vez, senão em casos especiais.
11...Ca4!
Uma magistral combinação que pune severamente o jogo displicente
de Byrne e revela, ao mesmo tempo, as notáveis qualidades de Fischer.
12 Da3
Uma retirada forçada. Não servia 12 Cxa4, por causa de 12.. .Cxe4,
com as seguintes possibilidades: a) 13 Bxe7 Cxc5 14 Bxd8 Cxa4 e as
Brancas não podiam evitar perdas materiais; b) 13 Dcl Bxf3 14 gxf3 Da5+,
recuperando a peça com nítida vantagem, c) 13 Dxe7 Da5+, etc.
12...Cxc3 13 bxc3 Cxe4 14 Bxe7 Db6! 15 Bc4
A tentadora continuação 15 Bxf8 permitia: 15. ..Bxf8 16 Db3 Cxc3!,
com forte ataque. O lance do texto, entretanto, está em desacordo com as
necessidades da posição. Impunha-se 15 Be2, protegendo a coluna "e".
15...Cxc3 16 Bc5 Tfe8+ 17 Rf1 Be6!!
O enfant-terrible norte-americano conduz o ataque
de forma impecável. Esta jogada surpreendente tem caráter decisivo. Se
agora 18 Bxe6 Db5+ 19 Rgl Ce2+ 20 Rfl Cg3+ 21 Rgl Dfl+! 22 Txf1 Ce2
mate! Ou, então, se 18 Dxc3 Dxc5!, com amplo domínio das Pretas.
18 Bxb6 Bxc4+ 19 Rg1 Ce2+ 20 Rf1 Cxd4+ 21 Rg1 Ce2+
22 Rf1 Cc3+ 23 Rg1 axb6 24 Db4 Ta4! 25 Dxb6 Cxd1 26 h3 Txa2
Em troca da Dama sacrificada, as Pretas obtiveram suficiente
compensação, tanto material como posicional.
27 Rh2 Cxf2 28 Te1 Txe1 29 Dd8+ Bf8 30 Cxe1 Bd5 31
Cf3 Ce4 32 Db8 b5 33 h4 h5 34 Ce5 Rg7 35 Rg1 Bc5+
Após um esplêndido entrevero, principia um mate forçado no
solitário Rei branco. Se agora 36 Rh2 Bd6 37 De8 Cf6.
36 Rf1 Cg3+ 37 Re1 Bb4+ 38 Rd1 Bb3+ 39 Rc1 Ce2+ 40
Rb1 Cc3+ 41 Rc1 Tc2 mate!
Como Tartakover, dizemos: Eis a literatura enxadrística
enriquecida com mais uma obra-prima.
Passados sete anos, já
consagrado no âmbito internacional como um futuro campeão do mundo,
Fischer venceu pela sexta vez consecutiva o campeonato de seu país, com
a circunstância de ter derrotado todos os seus onze adversários, entre
os quais destacamos: Samuel Reshevsky, Larry Evans, Pal
Benko, Arthur Bisguier, Edmar Mednis e os irmãos
Byrne. Como diria um inflamado cronista esportivo lisboeta:
a espetacular vitória de Fischer nesse campeonato foi de lés a lés,
isto é, de ponta a ponta, sem conceder um empate sequer!
Para coroar tão magnífica
atuação, Fischer produziu diante do grande-mestre
Robert Byrne
-
a quem jamais havia vencido - a mais bela partida do campeonato! Segundo
o abalizado crítico cinematográfico e árbitro internacional de xadrez
Frank Brady,
esta partida é uma das mais bem jogadas miniaturas de toda a história
do xadrez!
Vejamos como se processou
tão elogiada partida.
Campeonato Norte-Americano, 1963/64
Henry Hudson Hotel
New York, N.Y., 18 de dez° de 1963
PD — Defesa Grünfeld
ECO D—70
Brancas - Robert Byrne
Pretas - Robert Fischer
1d4 Cf6 2c4 g6 3g3 c6 4Bg2
O avanço 4 d5 é contestado com 4.. .b5!, como ocorreu na partida
entre os mesmos contendores, campeonato norte-americano, 1962/63
4...d5 5 cxd5 cxd5 6 Cc3 Bg7 7 e3
Quanto à continuação 7 Cf3, vide as partidas Benko - Fischer,
campeonato norte-americano 1963 e Geller - Fischer, Palma, 1970
7...O-O 8 Cge2 Cc6 9 O-O b6! 10 b3 Ba6!
Esta peça está destinada a ter o papel mais relevante neste
combate: a princípio na diagonal "f1-a6" e, em seguida, na via- láctea "h1-a8"!
11 Ba3
"Fazer o que os outros fazem não é pecado", diz a sabedoria
popular. Neste caso, porém, os efeitos serão diferentes.
11...Te8! 12 Dd2 e5!
Fischer inicia um forte ataque.. É quase certo que ele não
percebeu toda a combinação que irá efetuar; o seu incomum "feeling"
enxadristico, entretanto, foi a sua fonte inspiradora.
13dxe5 Cxe5 14Tfd1?
O erro que compromete definitivamente a partida. Em sua coletânea
"My 60 Memorable Games", Fischer dedica cinco páginas sobre esta partida
e esclarece que a jogada correta era 14 Tad1!, como demonstrou o
grande-mestre russo Yuri Averbach. Neste caso, segundo Fischer, as
Pretas conseguiriam manter a pressão mediante 14.. .Dc8. Quanto ao lance
do texto, se explica pela ânsia de Byrne em livrar-se da incômoda
cravação de seu Cavalo de "e2".
14...Cd3! 15 Dc2 Cxf2!

Após a aula estratégica, segue-se a lição tática!
16 Rxf2 Cg4+ 17 Rg1 Cxe3 18 Dd2 Cxg2!
Desta maneira, Fischer elimina o mais importante guardião da
segurança do Rei branco.
19 Rxg2 d4! 20 Cxd4 Bb7+! 21 Rf1 Dd7!!
Que entrada imponente tem a Dama de Fischer neste combate! Faz
apenas uma singela jogada que obriga a rendição de seu adversário!
As Brancas abandonaram!
Um detalhe curioso aconteceu
neste instante: dois grandes-mestres que comentavam a partida para o
público, interpelaram Byrne por que ele havia abandonado, quando -
segundo eles - estava em situação vitoriosa! Assim agindo, demonstraram,
que não viram o seguinte arremate: 22 Df2 Dh3+ 23 Rg1 Te1+!! 24 Txe1
Bxd4! 25 Te3 Bxe3 26 Dxe3 Dg2 mate!


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